quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Mil faces do mal

Foto do wingsinthewater

A máscara que utilizo é de material fino, cerâmica chinesa da mais bela estirpe e contém cinco furos onde coloco os pregos para que se mantenha exatamente sobre meu rosto. A colocação dói, não vou mentir, porém é um ritual já. Toda manhã, acordo, tomo meu coquetel de drogas e após lavar o rosto coloco a máscara duramente presa com os cinco pregos em cada extremidade de meu crânio.

Preciso, tenho, DEVO esconder as mil faces que gritam, imploram e choram que tomam o lugar de minha face original, após esta maldita magia que me foi colocada nunca mais pude olhar em meus olhos. Onde eles estão? Ahn... e-eu esqueci o local onde guardei, era em algum bolso, daqueles laterais... Deixe não lembrarei, minhas drogas acabaram com minha memória e personalidade. Lembro que em um passado não muito distante costumava ter uma personalidade agradável, daquele tipo que as pessoas querem ter por perto em uma mesa de bar. Palavras saíam como água brota de uma fonte, piadas certas, tiradas inteligentes, palavrões para utilizar o cafajeste inofensivo que vive dentro de mim.

Balas que acordam com Michael Jackson de manhã em meu despertador e que me deixam voando, praticamente esquiando por entre os obstáculos do mundo, pessoas, carros, ódios, medos e amores. Esporte perigoso que normalmente me machuca, porém não sinto, e machuca os outros que sentem e que em um heróico ato vieram me acudir ao me ver estendido no chão falando sobre a nova piada sobre o Big Bang. As drogas são necessárias, mas elas causam um dano, uma piada de mau gosto eterna em meus neurônios, anestesiando-os e me deixando acostumado com o véu escuro e doloroso da recaída na velha inimiga Depressão. Eu não havia falado nela ainda? Pois bem, ela voltou, revigorada e cheia de disposição em me foder de todas as maneiras possíveis.

Quem sou eu? Onde moro? Qual meu telefone? Quem me chama? Já te disse que te amo?

Todo dia tenho que perguntar as mesmas coisas para a única pessoa que não me deixa entrar no buraco de Alice e escorregar até o mais quente canto do inferno onde nós, os doentes mentais devemos ficar segundo o Vaticano. Ela sorri, chora, me abraça em uma sensação única e real de redenção. Em seus braços eu sou apenas uma criança, um homem desesperado, um amante incompetente, o cara que olha o brilho de teus olhos como a luz que nos vem buscar no pós-morte e escuta sua voz como a única música decente que se pode escutar nos dias de hoje, o meu canto das sereias e minha única sereia.

Sou seu, por você arranco a máscara e calo as mil faces, pois quero beijá-la em um gozo eterno de romance, calor, amor, amizade, cumplicidade e cheiro de perfume. Você tem o Buda desperto dentro de seu corpo e nele encontro o mais completo descanso, o único em meses. Seu discípulo, às vezes ingrato e agindo como uma criança mal comportada, perdido em pensamentos negros e volta e meia sendo resgatado do poço por suas macias e perfeitas mãos que não me deixam na eterna solidão daqueles que abraçam a Depressão e só soltam após a morte fazer com que os braços percam a devida força.